Com o álbum ‘O mar é mulher’, Joyce Moreno surfa na onda feminina erguida pela compositora no fim dos anos 1970
Joyce Moreno alinha dez canções autorais no álbum ‘O mar é mulher’, lançado hoje, 12 de junho Isabela Espíndola / Divulgação ♫ OPINIÃO SOBRE DISC...

Joyce Moreno alinha dez canções autorais no álbum ‘O mar é mulher’, lançado hoje, 12 de junho Isabela Espíndola / Divulgação ♫ OPINIÃO SOBRE DISCO Título: O mar é mulher Artista: Joyce Moreno Cotação: ★ ★ ★ ★ 1/2 ♬ Partindo da descoberta de que o mar é palavra feminina em idiomas como o francês e o espanhol, Joyce Moreno compôs em janeiro de 2024 uma canção intitulada O mar é mulher. No estúdio, a música ganhou o contorno de samba-canção embalado pelas cordas da Tallin Studio Orchestra, arranjadas por Mario Adnet como a simular o movimento das águas. A faixa dá nome ao álbum O mar é mulher, primeiro disco de músicas inéditas da artista desde Brasileiras canções (2022). Aos 77 anos, a cantora, compositora e violonista carioca surfa nas águas de álbum que, sem desbravar outros mares, desliza macio na onda feminina erguida pela própria Joyce a partir dos anos 1970. Como a artista argumenta, com razão, há conexões entre o álbum Feminina (1980) – disco de canções que deu projeção nacional a Joyce no embalo das gravações de músicas da compositora pelas cantoras Elis Regina (1945 – 1982) e Maria Bethânia no decisivo ano de 1979 – e O mar é mulher, disco lançado pela gravadora Biscoito Fino neste Dia dos Namorados, 12 de junho. Como faz desde 1967, ano em que escandalizou plateia de festival ao apresentar samba-canção com letra escrita sob ótica feminina, Me disseram, Joyce Moreno canta o amor sob o prisma da mulher neste novo álbum bafejado pelo frescor dos toques de músicos como Tutty Moreno (bateria e percussão), Helio Alves (piano) e Rodolfo Stroeter (baixo), trio que forma a banda-base do disco ao lado da própria Joyce, no violão supremo, nos arranjos de base e na direção musical. O quarteto quebra tudo no tema sem letra Tudo em casa. É samba e é jazz com vocalizes da cantora. Para quem gosta de ouvir Joyce nessa praia do samba-jazz, a outra pedida é Adeus, Amélia, samba que anunciou o álbum O mar é mulher em single lançado em 22 de maio. Música inédita em disco, mas composta há anos com letra reciclada por Joyce para a atual gravação, Adeus, Amélia contraria as verdades machistas de popular samba da era pré-bossa, Ai, que saudades da Amélia! (Ataulfo Alves e Mário Lago, 1942), na cadência de um samba-jazz turbinado pelos metais arranjados por Rafael Rocha em exuberante clima de gafieira moderna. Antes de Adeus, Amélia, Joyce lançou outra faixa do álbum em setembro de 2024. Trata-se do dueto com Jards Macalé em Um abraço do João, parceria dos compositores apresentada há quatro anos no álbum Síntese do lance (2021), gravado por Macalé com João Donato (1934 – 2023). Na gravação original de Macalé, Um abraço do João era choro-canção que ecoava a bossa nova de João Gilberto (1931 – 2019), transcendental muso inspirador do tema. Na abordagem de Joyce com Macalé, a música caiu no suingue, ganhando vivacidade em cadência que tangencia o samba-jazz. Na seara das canções inteiramente inéditas, os destaques da safra 2025 são Novelo e Canção de búzios. Parceria de Joyce com Paulo César Pinheiro, Novelo é canção de atmosfera mais íntima que vai se desenrolando sensual como um... novelo, com a tal influência do jazz no toque saltitante do piano de Hélio Alves. A letra se desdobra em tom poético que exala erotismo sob a perspectiva da mulher que convida o parceiro para o encontro sexual. Já Canção de búzios é fruto de poema antigo de Ronaldo Bastos que – reza a lenda – seria musicado por Milton Nascimento. Como Milton não o fez (talvez por nunca ter recebido a missão...), Joyce musicou a canção que, na gravação, cai na cadência do samba e embute passagens instrumentais de clima jazzístico. O diferencial do arranjo são os sons do arsenal percussivo de Tutty Moreno, evocativos dos barulhinhos bons das conchas e estrelas do mar mencionadas nos versos do poeta. Com menor poder de sedução melódica por soar como arremedo da bossa de João Donato, mas com suingue e com versos que exaltam as mulheres, Imperador (2024) é parceria de Joyce Moreno com Donato e Donatinho que corrobora o tom feminino do álbum O mar é mulher. Esse tom é reiterado nos versos confessionais de Comigo, música em clima de bossa nova, de autoria somente de Joyce Moreno, compositora que prescinde de parcerias. Sintomaticamente, Comigo explicita na letra a autossuficiência feminina. Da mesma lavra solitária e autossuficiente da criadora, a composição Os ventos sopra boas vibrações de alívio e cura com o toque da flauta de Teco Cardoso. Samba da parceria da compositora com Zé Renato, apresentado por Zé há 14 anos no álbum Breves minutos (2011), o belo Desarmonia se impõe ao fim de O mar é mulher com certa melancolia embebida em poesia, na gravação feita por Joyce em clima despojado, com voz, violão e um sutil tamborim percutido por Tutty Moreno. Enfim, O mar é mulher flagra Joyce Moreno em ótima forma na praia feminina que ela mesma fundou em 1967, quando poucas mulheres exercitavam a arte de fazer música e, dessas pioneiras, nenhuma tinha tido a coragem de se posicionar explicitamente no gênero feminino na letra de uma composição. É por isso que hoje a artista surfa plena em onda que se ergueu de forma mais geral no mar da música brasileira a partir de 1979 com a contribuição fundamental de Joyce Moreno. Capa do álbum ‘O mar é mulher’, de Joyce Moreno Isabela Espíndola / Divulgação